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Muitos titulares assumem seu primeiro cartório com vasto conhecimento jurídico, no entanto, são inexperientes na parte administrativa. Qual é a importância de uma boa gestão empresarial nos cartórios?
Normalmente, a escolha de uma unidade ao passar no concurso é feita com base no faturamento e no passivo trabalhista, sem ponderar a real habilidade do aprovado em assumir um cartório sem nunca ter gerenciado absolutamente nada e, ainda pior (porém frequente), sem saber os indicadores de gestão que tornam uma serventia saudável.
O concurso nada exige em termos de conhecimentos teóricos e práticos de administração. Seria altamente recomendável que os novos titulares fizessem um curso preparatório antes de se tornar Delegados, à semelhança do que se passa com a Magistratura do Estado de São Paulo.
Diferentemente das empresas, que são livres para estipular preços, repassar custos e vender seu produto em qualquer lugar do país, os cartórios são “empresas” com diversas limitações e especificidades.
Um dos principais motivos que justifica ter uma gestão empresarial profissional nos cartórios é o fato de a atividade não proporcionar uma renda fixa todos os meses. Como as receitas e os gastos são variáveis, diversos fatores podem alterar o resultado (convertendo provável lucro em possível prejuízo).
Cumpre reconhecer, contudo, que nem todo titular que assume seu primeiro cartório é inexperiente na parte administrativa. Há os que possuem “tino empresarial”, ou tem a possibilidade de estar rodeado de pessoas com alta capacidade administrativa, ou ainda melhor, é um autodidata, que estuda e executa os conceitos da Administração de forma a obter produtividade, eficiência e lucratividade.
Os autodidatas conscientes se diferenciam por conhecerem suas limitações e comandarem seu negócio com bom senso, sem inventar a roda, e sem esperar a situação acontecer para depois buscar ajuda.
Nesse contexto, considerado o cartório como uma empresa, o titular, iniciante ou não, deve estabelecer sua estratégia ao assumir nova serventia, definindo seus objetivos no âmbito interno da serventia e no plano externo, ou seja, na região onde atua, para garantir sua lucratividade.
A grande questão é que os titulares pensam no concurso de serventia extrajudicial como se fosse um concurso onde a função é estritamente jurídica, como por exemplo, promotoria ou magistratura, que possuem uma “equipe de apoio” para operacionalizar a parte não-jurídica, como contratar e treinar as novas pessoas, arrumar a impressora quebrada, comprar o papel sulfite, entre outros.
Mais do que isso: juiz e promotor não têm responsabilidade exclusiva sobre o gerenciamento administrativo e financeiro das unidades em que são titulares.
Já a atividade de registrador ou notário tem como ônus e característica a “responsabilidade exclusiva” do titular sobre o gerenciamento administrativo e financeiro da unidade extrajudicial.
Essa a razão pela qual o interesse do titular deve voltar-se à busca dos conhecimentos sobre Administração para melhorar a eficiência e eficácia da gestão da unidade. O CNB e outras associações tem percebido essa realidade e apoiado cursos de gestão para titulares, o que vem em benefício das atividades e, em última análise, do usuário dos serviços extrajudiciais.
Uma equipe integrada e produtiva pode levar a um enorme crescimento tanto na qualidade quanto no faturamento do cartório. Quais são as políticas de incentivo que o titular deve aplicar para motivar os funcionários a darem o seu máximo?
De maneira geral existem algumas dicas que podem ser aplicadas a cartórios de qualquer tamanho:
– COMUNICAÇÃO COM CLAREZA: estabeleça seu objetivo (sua missão); comunique e reforce em todas as reuniões com os funcionários. Trabalhe esse mesmo objetivo em diferentes em cada área da serventia. Outro fator que orienta a ação é a Norma de Conduta, já praticada em alguns cartórios. Ao ter um “norte”, as pessoas tendem a focar no que precisa ser feito, e sabem como se portar.
– PLANEJAMENTO COM CLAREZA: aproxime as pessoas dos planos e metas do titular. Nunca comece uma reunião sem revisar a pauta da última reunião e verificar o que já foi feito ou o que está ainda em andamento. Conhecer os passos da empresa ajuda na integração do desenvolvimento do funcionário com o desenvolvimento do cartório. Os líderes da serventia (com atitude positiva e inspiradora) ajudarão a manter a equipe unida, pois auxiliam a orientar e aproveitar as potencialidades de cada um.
– TENHA O HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO NO SISTEMA: a gestão do tempo é tão importante quanto a gestão das tarefas, das pessoas e seu registro. Ao manter o histórico do desenvolvimento da organização é possível justificar ações com precisão, sem desmotivar um (ou alguns) por falta de explicação. Por exemplo, quando um funcionário solicita um aumento, pelo sistema você poderia saber: a) qual é o custo dele em relação ao faturamento total?, b) e em relação aos outros do departamento?, c) os investimentos com ele no último ano condizem com a produtividade?, d) no último ano, o quanto já foi investido em recursos que ele precisou?, tudo isso para orientar a decisão e justificar a recusa ou aceitação do reajuste salarial com base em um controle financeiro efetivo e controlado.
– OBSERVAÇÃO CONTÍNUA: o líder observador atua para manter a coesão e a motivação dos funcionários. Ainda: é seu objetivo evitar potenciais conflitos que afetem a performance do cartório. Bons resultados devem ser comemorados. O líder deve estar sempre vigilante e observador para identificar funcionários vaidosos, desagregadores e que podem comprometer a equipe, o ambiente e a produtividade. Ervas daninhas devem ser extirpadas no nascedouro. Aqui, o “timing” e a atitude do líder fazem a diferença!
– INVESTIR NA MELHORIA CONTÍNUA: investir em treinamento e cobrar pelo investimento feito. O caminho é identificar a necessidade, refletir nas possibilidades de aprimorar o treinamento interno ou externo e então monitorar a evolução com frequência. O que vale para os funcionários vale para os titulares: “não espere resultados diferentes se você faz diariamente tudo igual”.
– OBSERVAÇÕES:
1) A motivação é um comportamento interno e o que pode influenciar cada pessoa depende de seus valores e objetivos individuais. Você como titular sabe os valores e objetivos individuais de seus funcionários?
2) Apesar da gratificação financeira ser um incentivo comum nos cartórios, reitera-se a importância de relacionar a gratificação com algum critério ou objetivo pré-definido, por exemplo: alcançar os objetivos determinados no descritivo de cargo do funcionário. Do contrário, os 20% que trabalham pelos 80% se sentirão injustiçados.
3) A resposta exata para a pergunta acima depende a) do tamanho do cartório, b) das condições financeiras, c) da região onde está localizado (comarcas onde não há disponibilidade de mão de obra, já é mais difícil encontrar alternativas quando mesmo com incentivo adequado a pessoa não muda), e, d) a real vontade do titular para incentivar o funcionário.
Stephen Kanitz[1] explica bem essa diferença. Gestão vem de gesticular, de dar ordens. Os gestores não são formados em Administração, basta darem as ordens certas, com bom senso. Já a Administração não está relacionada somente com decidir. Administrar é fazer com que as empresas andem sozinhas, com segurança e autonomia, através de sistemas, processos, ferramentas e pessoas.
Administrar é trabalhar a exceção. Os consultores de Administração devem ser formados em Administração e são chamados para resolver uma crise, para que ela nunca mais ocorra no futuro, sendo “os únicos capazes de implantar as ideias dos outros na velocidade que precisamos”.
Contudo, infelizmente poucos sabem que, no Brasil, as escolas de Administração então existentes foram encerradas em 1945 com a lei 7988/45. Enquanto isso, nos EUA, Harvard foi criada em 1908, pois desde aquela época eles já valorizavam e acreditavam que empresas administradas por administradores profissionais são mais ágeis do que repartições públicas e empresas familiares.
A missão do cartório é conferir “segurança jurídica” aos principais atos jurídicos do dia a dia das pessoas. É ela que deve orientar os objetivos financeiros, humanos e sociais da organização, ao produzir documentos que transmitam credibilidade e que sejam aceitos onde quer que sejam apresentados.
Assim sendo, o sucesso na gestão da serventia não deve ser pautado apenas na lucratividade, pois também está em jogo uma série de fatores (ou de riscos associados à operação), como: comprometimento e clima organizacional, satisfação dos clientes, e procedimentos internos bem estruturados, para que o equilíbrio organizacional gere a sustentabilidade corporativa no longo prazo.
Sucesso é ser reconhecido pelos usuários como indispensável e imediatamente lembrado quando se fala em seu produto ou serviço. A lucratividade vem como consequência. Seu cartório é assim? Caso o próprio titular não tenha a disponibilidade de estudar o tema seria interessante ele delegar essa atividade a uma pessoa que faça isso por ele. Essa pessoa, dependendo das capacidades, poderá executar a tarefa sozinha ou pedir ajuda de consultores especializados em serventias extrajudiciais.
O tempo de esperar o cliente chegar, só olhar a conta do mês que passou, e desvalorizar a importância de administrar profissionalmente o cartório já passou. Hoje os clientes, as equipes e até mesmo os novos aprovados e recém nomeados nos concursos são mais exigentes. O trabalho pautado na ética, honestidade, confiança e qualidade não é simples nem fácil, mas a colheita no médio ou longo prazo é certa!
Necessidades:
– Tentar mudar a imagem que a maioria da população tem de cartório: repartição burocrática e ultrapassada. Essa missão não é somente das associações de classe, mas sobretudo de cada titular, agindo no âmbito da cidade ou comarca para influenciar nacionalmente.
– Entender o que o cliente final realmente acha do serviço prestado por sua serventia: Generalizar também não serve. Cartórios médios e grandes poderiam usar a ferramenta de pesquisa ServQual (metodologia da década de 80 que mede a qualidade dos serviços ao comparar a expectativa versus a realidade) para se orientar sobre isso. Afinal de contas, como saber qual é a prioridade do seu cliente, se você nem sabe quais são as expectativas reais dele?
– Automatizar controles para que não haja retrabalho, diminuindo a chance de erros com a digitação manual. A ferramenta Excel ajuda muito, principalmente os cartórios que não podem arcar com o valor de programas de informática completos. Seria recomendável que ada serventia tenha um funcionário especializado no assunto para, pelo menos, gerenciar o básico do controle administrativo e financeiro de maneira eficaz e eficiente.
– Ter uma referência do que seria uma gestão administrativa profissional. Por exemplo, seria interessante comparar em porcentagens a lucratividade (sendo lucro líquido dividido pela receita total); a satisfação dos clientes da serventia; a satisfação da equipe; entre outros, de acordo com o tamanho do cartório para ser possível a comparação entre cartórios do mesmo perfil.
– Buscar ajuda de consultorias especializadas, que possibilitem a continuidade ao que foi feito, ou o investimento realizado terá baixo retorno financeiro. Por isso a importância de 1) analisar a dificuldade de aplicar cada ação planejada após o término da consultoria e 2) avaliar a capacidade de executar as ações sozinhos ou se haverá necessidade de acompanhamento por um determinado período. Repito: o Administrador faz com que as empresas andem sozinhas, com segurança e autonomia.
Tendências:
– Resposta ágil. Com novos meios de comunicação instantâneos, os clientes passaram a desejar cada vez mais a resposta rápida ao seu caso. Mesmo sabendo que existe um prazo para cada ato, mesmo sabendo que executar com qualidade demanda cuidado, e cuidado demanda tempo, quanto mais informatizado for o cartório de modo a proporcionar ao cliente a possibilidade de verificar o status do andamento de cada pedido, melhor. Para cartórios pequenos, isso deve ser feito com razoabilidade e proporcionalidade.
– Ir além dos resultados financeiros apresentados na “contabilidade tradicional”, utilizar-se das ferramentas da “contabilidade gerencial” para obter mais informações sobre a sustentabilidade do negócio, assim como preparar-se em todos os aspectos da Administração Estratégica.
– A demanda da profissionalização do setor fará com que haja periodicamente uma supervisão administrativa (realizada por auditores administradores e não por juízes corregedores) através de um órgão fiscalizador que determinará medidas corretivas e preventivas e cobrará melhores desempenhos administrativos. Principalmente os relacionados aos processos internos, de clientes e de gerenciamento da equipe, o que atualmente fica à mercê da maior ou menor preparação apurada do titular. Ideal seria se a padronização da profissionalização fosse obrigatória em todos os cartórios (como na hotelaria), assim o cidadão saberia se está indo a um cartório três, quatro ou cinco estrelas.
[1] Palestrante, professor da USP, com MBA em Harvard, Stephen Kanitz escreveu o livro “A Missão do Administrador”.
Autora: Talita Caldas
Pesquisadora, Consultora e Sócia Fundadora da TAC7 Desenvolvimento Gerencial de Cartórios. Formada em Administração, com pós em Marketing na ESPM e em Gestão Estratégica pela USP, também é autora de diversos artigos e do livro pioneiro “A importância de administrar cartórios com indicadores” (https://goo.gl/HdXktw), publicado em dezembro 2017.
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