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IRPF “Carnê-Leão” – Livro Caixa – A locação de bens móveis e equipamentos por Pessoa Jurídica para a Serventia
Muito se fala, nos dias atuais, sobre planejamento tributário pela via da elisão fiscal, forma lícita de se furtar à incidência tributária, mas, na prática, assiste-se a verdadeira distorção desse instituto jurídico quando é utilizado para que o imposto devido não seja pago, valendo-se o contribuinte de conduta ilegal, fazendo uso, então, da evasão fiscal.
Os limites entre a elisão e a evasão, no planejamento tributário, são fixados pela legalidade da conduta adotada pelo contribuinte e em torno dela gravitam.
É cediço que os dispêndios com a aquisição de bens duráveis, por não caracterizarem despesas de custeio, não encontram espaços no livro Caixa do contribuinte do IRPF “Carnê-Leão” para os fins de apuração do tributo. Noutro dizer: não são despesas dedutíveis, de modo tal que não se prestarão a reduzir a base de cálculo do imposto de competência da União.
Se o custo de aquisição não pode ser deduzido em livro Caixa, lado outro, o custo de locação dos bens duráveis, quando necessários à percepção do rendimento tributável ou à manutenção da fonte produtora deste, é despesa genuinamente dedutível.
O valor do preço pago pelo imóvel onde estiver instalada a Serventia, por exemplo, se adquirido pelo Notário/Registrador, não poderá ser escriturado para os fins do IR, mas, se não pertencer ao contribuinte, o valor referente ao aluguel mensal será deduzido, normalmente, na data em que for, efetivamente, quitado.
Tal premissa pode levar ao ilusório raciocínio de que transferir todos os bens móveis e equipamentos da Serventia para uma pessoa jurídica constituída pelo delegatário, para, ao depois, este com aquela entabularem contrato de locação de bens e equipamentos seja a saída lícita que se estava procurando.
Contudo, considerando vários aspectos, a constituição de pessoa jurídica para tal finalidade pode não ser alternativa válida e, além disso, acarretar ao contribuinte – titular da delegação e sócio da pessoa jurídica –, dissabores e amargo arrependimento.
Analisemos esses aspectos.
O mais importante deles, a nosso ver: se a pessoa jurídica não obtiver outras receitas que não seja a oriunda do contrato firmado com o titular da delegação, poderá o Fisco, com fulcro no parágrafo único, do artigo 116 do Código Tributário Nacional – CTN [1], desconsiderar os atos e os negócios jurídicos relativos às operações realizadas e exigir o tributo não apurado, consequentemente não pago.
Com efeito, constituir uma pessoa jurídica para manter relação comercial apenas com a Serventia da qual é titular pode revelar, como quase sempre revela, fraude ou simulação, o que tornará possível e bastante provável que a autoridade administrativa proceda ao lançamento, de ofício, ou o reveja, se o caso [2] [3].
Pertencer a sociedades não é vedado ao Notário e ao Registrador. O que eles não podem, por incompatibilidade, é geri-las. Ser detentor de quotas ou ações não resulta em qualquer incompatibilidade.
Então, o problema não está em integrar o quadro societário de pessoas jurídicas.
O problema é constituir a pessoa jurídica para, única e exclusivamente, diminuir a incidência do IRPF “Carnê-Leão” sobre os emolumentos mensais da atividade notarial e ou registral, em flagrante simulação, conduta, por certo, evasiva.
A esse primeiro e mais importante aspecto seguem-se outros.
Os “cartórios” extrajudiciais, serventias ou unidades notariais e de registro são entes despersonalizados, já que sob a perspectiva da personalidade eles não existem. O “cartório” é, então, o lugar onde o Notário e o Registrador cumprem os desígnios da delegação que lhes foi outorgada pelo Estado e está para os profissionais de que trata o artigo 3º da Lei nº 8.935/94 assim como está o escritório para o advogado, ou o consultório, para o médico e para o dentista. Nenhum deles, por não terem personalidade jurídica, pode ser parte em contratos.
Assim, o tomador de serviços e adquirente de produtos será – ou deveria ser –, o contribuinte, Notário e Registrador.
Examinando a questão pelo viés do custo da constituição, da carga tributária incidente sobre o faturamento e lucro produzidos pela pessoa jurídica e, ainda, da sua manutenção, deixando assim de lado a legitimidade contratual e a ilegalidade da conduta evasiva acima posta, o que parece interessante pode vir a ser negado por cálculos simples.
A locação de bens e equipamentos usados é prática que pouco interessa a quem paga pelo uso de bens de terceiros, mas quando a esse contrato alguém se propõe é sabedor de que o valor do aluguel é bem pequeno e inferior ao dos bens e equipamentos novos. O mercado regula esses negócios de sorte que, com o passar do tempo, o valor mensal dos contratos, se não houver renovação dos objetos da locação, diminuem progressivamente até o seu desaparecimento.
Destarte, ou os bens são substituídos por novos com frequência regular pelo locador, ou o negócio deixa de interessar ao locatário. Essa a realidade de mercado e a ela está atenta a fiscalização da Fazenda Nacional.
O leitor já pode deduzir que o valor de locação dos bens – novos e ou usados –, numa eventual relação de locação de bens entre pessoa jurídica da qual seja sócio o Notário ou o Registrador e ele próprio, não resultará em vantagens que justifique o risco de desconsideração dos atos e negócios realizados com o fito, único, de diminuir a incidência do “Carnê-Leão”, mensalmente.
Partindo, sem mais delongas, para o final da presente mensagem, vale deixar aqui posto que a única possibilidade de uma relação comercial entre o Notário e o Registrador com pessoas jurídicas das quais eles, ou familiares, participem, sem que venha a ser contestada pelo Fisco, é de que a atividade da empresa não encontre na Unidade notarial ou de registro pela qual respondem legalmente seu único cliente e que o valor dos negócios realizados pelas partes não avilte o mercado a que pertencem.
Ademais, o preço por desconsideração de atos e negócios, porventura, imposta pela autoridade administrativa e o custo de encerramento da pessoa jurídica que não tenha atingido seus objetivos são argumentos fortes e bastante convincentes para afastar o leitor dessa ideia.
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[1] CTN, artigo 116, Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
[2] CTN, artigo 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (…) VII – quando se comprove que o sujeito passivo ou terceiro, em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.
[3] “…Caso a administração tributária se depare com atos ou negócios jurídicos viciados por dolo, fraude, simulação, sonegação ou conluio, pode desconsiderá-los, sem necessidade de anulação judicial, e qualificá-los de acordo com a categoria jurídica e a norma de tributação pertinentes…” (TRF4, AC 5000053-29.2010.404.7005, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, D.E. 03/10/2013).
Autor: Antonio Herance Filho
Advogado, professor de Direito Tributário em cursos de especialização em Direito Notarial e Registral Imobiliário. Autor de algumas obras, em especial do Manual do Livro Caixa e do Manual da DOI, e de vários artigos publicados no Boletim Eletrônico INR e em periódicos das entidades de classe das atividades notariais e de registro. É, também, coautor das Publicações INR (Informativo Notarial e Registral), e coordenador tributário da Consultoria INR.